💡É uma tristeza que o hábito de escrever cartas tenha se tornado coisa rara. Hoje, só recebo contas a pagar e propagandas na minha caixa de correio.
Tive o prazer de pertencer à geração que acompanhou a transição do analógico para o digital, e acho provável que a primeira carta escrita por mim (e por muita gente) tenha sido para o Papai Noel. Aguardava também, ansiosa, as cartinhas decoradas enviadas pela minha madrinha, que morava fora do Brasil: vinham com adesivos de flamingos e fadas.
Estabeleci uma amizade duradoura de confidências com amigas que conheci durante as férias — e essa troca perdurou uns bons anos. Durante o período do colégio, era péssima aluna: só queria saber de trocar bilhetes, cartas e desenhar. O mais curioso é que as cartas enormes eram destinadas à pessoas que eu encontrava todos os dias, provavelmente porque assim era mais fácil colocar em palavras sentimentos complexos da vida adolescente. Aliás, me pergunto como essa dinâmica acontece em tempos de whatsapp e tiktok, mas isso é papo para outra hora.
Aos 13 anos, fiz uma carta de amor — não lembro quais pieguices escrevi, e a coitada daquela Raquel desengonçada, com um crush massivo no irmão da amiga, logo virou chacota, foi humilhada em pleno recreio. Mas a verdade é que, apesar de indubitavelmente cafonas, as cartas de amor jamais deixarão de ser maravilhosas. Existe uma beleza irrevogável na cafonice do amor.
Meu bisavô também me endereçou esse presente sem preço, que guardo com todo amor do mundo: uma carta, que deveria ser somente aberta no meu 13º aniversário, com a história da família que ele sabia contar.
Ainda sobre o tema, recomendo a leitura do livro ‘Cartas Extraordinárias Amor’, editado pela Cia. das Letras. Me senti como uma mosquinha, uma voyeur, podendo fazer parte daqueles sentimentos íntimos e tão sinceros presentes nas mais diferentes histórias de amor. Outro livro muito sensível que li em 2023 foi ‘Querido Coração’, do Pedro Salomão — ele escreve cartas para os seus sentimentos. Descobri a leitura no podcast Hoje Tem, quadro Capítulo 1, onde leem primeiras páginas de livros incríveis.
Hoje, fiquei com vontade de ser piegas, mais uma vez, e compartilhar com vocês uma carta de amor diferente: a carta que escrevi para Olívia.
Olívia é netinha do meu companheiro, e foi recentemente diagnosticada com Atrofia Muscular Espinhal tipo1. Nos envolvemos muito com a campanha para angariar fundos para o seu tratamento (que levanta uma necessidade aproximada de R$18.000/mês em terapias multidisciplinares), o que estreitou bastante os nossos laços, mesmo com um oceano de distância. Não sabemos o que o futuro guarda, mas espero, sinceramente, que Olívia possa ler esta carta abrigada pela eterna memória da internet:
Olívia,
Você foi o primeiro bebê que tive a oportunidade de pegar no colo depois de muitos anos e, instantaneamente, te amei. Quando você chegou no mundo, eu e o seu avô passeávamos por Lisboa, tentando nos distrair da ansiedade e preocupação, e adivinhei, à distância, exatamente o instante em que você nasceu. Senti, com todo o meu corpo, um arrepio surreal que me trazia a certeza da sua chegada, e foi seguido por uma mensagem do seu pai.Naquele momento a gente ainda não fazia ainda ideia do quanto você mudaria as nossas vidas. De que, três meses depois, passamos a ponderar voltar de forma definitiva para o Brasil, para que pudéssemos estar mais próximos de você. Nós duas não partilhamos os mesmos genes, nem o mesmo sangue. Nesse aspecto, nosso laço não existe. Mas, mesmo assim, sinto que com você, nasceu uma vovó postiça.
Quando eu mesma era criança, minha madrinha não era presente — entretanto, a melhor amiga de minha mãe, chamada Liane, assumiu o posto de 'madrinha postiça', vindo a se tornar das melhores pessoas com as quais tive o prazer de conviver. Ela foi capaz de deixar a minha infância um pouco mais leve, me fez genuinamente acreditar em fadas e em mágica.
Por isso, Olívia, não tenho vergonha de ser vovó postiça, porque ultimamente, mais do que nunca, venho refletindo sobre o quão poderosa é a força do amor. É o amor que faz uma planta crescer, e eu acompanhei de perto o amor (dos seus pais, avós, familiares, amigos e pessoas que você nunca conhecerá) movendo montanhas para que você tivesse o seu direito à vida. É o amor que vai fazer o seu avô finalmente parar de fumar, presenteando vocês dois com alguns anos extras de convívio. Ele prometeu que, se você ficar bem (e estou absolutamente certa que há de ficar), irá largar o cigarro de uma vez por todas.
Com amor da sua avó postiça, Raquel
⭐️ Se você gostou da minha cartinha, preciso te deixar um recado: eu e Humberto começamos há algum tempo uma campanha através do instagram, para ajudar a custear os cuidados multidisciplinares mensais da bebê Olívia. Com menos de R$0,70/dia (R$19/mês) é possível fazer uma diferença gigantesca na vida dela. Como uma forma de agradecimento, você vai receber nossa curadoria diária de fotografias, artistas, dicas culturais, referências imagéticas, lá mesmo, no instagram do f508. Dá pra ler tudo sobre essa campanha aqui.
📣 novidades importantes no f/508:
✨ O concorrido curso de longa duração A Fotografia Expandida está com poucas vagas para a próxima turma, com início já em janeiro de 2024.
⏳ Tem novo curso na área! Para novembro, contaremos com os inéditos ‘Mergulho Analógico em Temos de IA’ e ‘Narrativas de Si: memória e imagem’ (todos podem ser adquiridos em tickets avulsos e fazem também parte do Passaporte Cultural)
💡ATENÇÃO: resta apenas 1 vaga para a turma 7 da Pós-graduação em Fotografia Como Suporte para a Imaginação, com início em março de 2024.
Gostou do que encontrou aqui? Encaminhe para um amigo, recomende, se possível, apoie os nossos projetos. Nós somos uma iniciativa cultural independente, com quase 18 anos, sem patrocínio ou apoio governamental. Tem alguma questão? É só responder a este email, que falará diretamente comigo. Beijinhos e até a próxima,
Raquel Pellicano
Acompanhe o f/508:
visite o nosso site
siga no instagram
siga no twitter
assine no youtube
junte-se à conversa no discord
Raquel, suas palavras me fizeram lembrar de vários momentos sobre cartas: que escrevíamos pros nossos amigos de turma (era alguma dinâmica na escola, ainda na 3a série, algo assim), e ainda tenho essas cartas!
Além disso, criei o hábito de escrever uma carta para mim mesma no começo do ano e abrir no final do ano 😊, acabou sendo uma coisa interessante...
os bilhetinhos/cartas que me dão eu tenho “a mania” de guardar-los, seja de quem for. Acho que é coisa de quem viveu a época do analógico...
Olívia vai amar ler essa sua carta pra ela no futuro! 😘😘