"Como se escreve a história de uma vida? A verdade raramente vem à luz e normalmente circulam as mentiras. Mas é difícil saber por onde começar se não for com a verdade."
Marilyn Monroe
Blonde, recentemente produzido pela gigante Netflix, foi dirigido por Andrew Dominik e traz Ana de Armas no papel principal. O filme mostra a história mítica de Marilyn Monroe sob uma ótica ficcional, poética e cinematográfica.
💡Mesmo levando em consideração as lúcidas críticas negativas em relação à hipersexualização da personagem e a exploração excessiva da nudez, minha sentença final é de que trata-se de um filme que vale (e muito) ser assistido - e aqui trago um adendo: especialmente se você é um fotógrafo, ou admira fotografia.
A brilhante fotografia, assinada por Chayse Irvin, vale cada minuto à frente da tela. Para além de ter conseguido meticulosamente recriar cenas clássicas da carreira cinematográfica de Marilyn Monroe com a interpretação de Ana, a genialidade das imagens é indiscutível. Segundo palavras do próprio fotógrafo, nunca antes lhe proporcionaram tanta liberdade para criar - e, pelo visto, deixar o artista livre resultou bem.
A narrativa conta com dois momentos em separado: existe uma clara mudança de rumo em direção ao fatídico e conhecido final. Sinto que, a partir do instante em que se vira a chave, o filme perde um pouco a direção - bastante na busca, imagino eu, de desenvolver a atmosfera de caos que levaria a personagem ao seu destino trágico, com a morte aos 36 anos.
Sempre achei a história de Marilyn triste, e o filme é bem sucedido ao trazer o vislumbre do esmagamento cruel de uma sociedade patriarcal e machista. Marilyn foi, como tantas outras mulheres, violentada, apagada, submetida, forçada, em quase todas as várias passagens da sua vida, mesmo quando, diante do mundo, parecia viver o casamento dos sonhos ou a carreira mais desejada de Hollywood.
Sobre a fotografia
💡Os momentos de alucinação em sequência, que acontecem a partir do seu aborto durante uma queda, transformam a filmagem em pesadelo: alguns rostos desaparecem, borrados, outros começam a ficar distorcidos, com bocas gigantescas. O foco se perde e já não há definição na imagem: com o uso de alguns artifícios na fotografia, todos nós passamos, também, a alucinar.
💡A ousada mistura de imagens em preto e branco (impecável) com cenas em cor, remete diretamente à fotografia estática. Minha sensação é de que o filme pode ter sido construído a partir de uma narrativa traçada por imagens fotográficas de Marilyn.
Segundo o comentário de Chayse Irvin em uma entrevista, o uso desses artifícios nasceu da vontade de expressar em imagens como a própria Marilyn sentiu-se durante essas passagens da vida, com pouco compromisso com a realidade. Sua intenção foi trazer um pouco de desestrutura para a narrativa, já que Marilyn passou a vida a buscar estabilidade e amor, sem nunca ter encontrado.
Um dos recursos utilizados no intuito de expressar as crises psicóticas de Marilyn foi uma técnica de filmagem com o filtro Cinefade: durante o mesmo plano-sequência, ou seja, sem cortes, foi realizado um take com diversas aberturas de diafragma, de maneira a subitamente desfocar o ponto de vista da câmera sem alterar a fotometria. De uma hora para a outra, o cenário se tornava totalmente desfocado.
De maneira a recriar cenas clássicas do imaginário que conhecemos, o diretor de fotografia ainda atentou-se a algumas questões:
- fez o uso de lentes muito parecidas com as verdadeiramente usadas em fotografas reais de Marilyn, o que trouxe uma estética analógica e delicada para o filme (apesar de realizado digitalmente - uma escolha consciente de maneira a auxiliar a atriz Ana a entrar na personagem)
- Algumas imagens foram capturadas nos mesmos cenários que seus respectivos acontecimentos
- A produção de figurino seguiu à risca as referências de uma das atrizes mais fotografadas na história
- A geometria milimetricamente pensada, baseada em composições fotográficas
- O uso de apenas uma câmera e uma equipe de câmera para as filmagens. Então aquela única composição era cuidadosamente desenvolvida como imagem principal
Por fim, o filme é uma lição de fotografia muito rica. Assistir e tomar nota, prestar atenção nos detalhes e construções visuais, é um excelente exercício, mesmo que você não tenha vontade alguma de se aventurar na selva cinematográfica.
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✨Falei sobre outra passagem da vida de Marilyn nesse post.
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Raquel Pellicano
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