Hoje trouxe para vocês um texto pelo qual nutro um afeto gigantesco, escrito pelo querido Humberto Lemos, meu companheiro, professor e fundador do f/508. Fala sobre memória, quinquilharias fotográficas e tempo, em continuação à carta da semana passada, na qual eu trago algumas provocações sobre fotografia de viagens. Sugiro ler escutando CocoRosie, ou a inesquecível Gal.
Das paredes rosadas pela luz do sol, da aranhazinha de estimação no canto esquerdo da porta, fato é que um dia algo será desprendido, desprendido de nossa vida presente em forma de vida futura. Ciclos: ciclos necessários para continuar o nosso histórico, nossas fases, nossas vidas. Nossas mudanças!
Quando mudamos de casa, novas paredes são pintadas, atualizamos um tapete, um sofá, fazemos uma limpa no guarda-roupa, nos enchemos de energia para uma nova expectativa. Somos novos em um tempo novo. Uma pura novidade em um tempo futuro, repleto de passado.
Diante da efervescência de novos vizinhos, novidades e novas faces, abrimos nossa “caixa-coleta”. Abrimos aquela velha e esquecida caixa que armazenamos durante anos em um canto do armário, guardando sonhos, desejos, brincadeiras, lembranças. Durante anos jogada no meio da bagunça das meias surradas, ela guardou bilhetes, ingressos, cartas juvenis, amores infantis, promessas. Guardou memória. Com um sorriso nos lábios e aperto no coração, abrimos nossa “caixa-coleta” para selecionar o que ainda fará parte de nossas vidas.
Paris vale mais que Montevidéu? Em Montevidéu eu amei mais que em Paris. Como selecionar? Os cartões postais são quinquilharias emblemáticas. São parte de um passado em que a coleta seletiva é motivada por status, sentimento, tempo. Memórias. Minha foto está amarelada, olha como eu estava magro. Que cabelo é esse? Nossa! Quantos anos eu tinha?
A fotografia nos permite, em um tempo presente, não esquecer quem fomos. A fotografia, enquanto memória, é um espaço de aceitação do que somos e do que fomos.
Geralmente guardados nos baús de nossos avós ou junto a outras quinquilharias, os monóculos marcaram a infância de muita gente. No parque de diversão, no zoológico e nos circos, era comum encontrar fotógrafos que se dedicavam à produção desses pequenos cones de plástico coloridos, que traziam em seu interior imagens semitransparentes em cores vivas, um pequeno recorte de nossas alegrias.
Segundo Boris Kossoy em O relógio de Hiroshima: reflexões sobre os diálogos e silêncios das imagens, “com a invenção da fotografia inventou-se também, de certa forma, a máquina do tempo. Não aquela dos filmes de ficção científica, uma câmara repleta de inúmeros aparelhos estranhos onde os personagens necessitavam entrar, serem conectados a um emaranhado de fios e, de repente, desaparecerem em meio a um denso véu de fumaça, para, a seguir, reaparecerem em algum outro lugar e época. Refiro-me à máquina do tempo enquanto máquina fotográfica e, especialmente, ao produto desses aparelhos: as imagens”.
Kossoy aprofunda a questão quando afirma que “a câmara fotográfica e o relógio são instrumentos íntimos, auto-referentes. A câmara fotográfica incorpora o tempo do relógio para seu funcionamento e se insere, através de suas imagens, no Tempo enquanto contingência.”
Assim como nossas quinquilharias, a fotografia é um espaço marcado pelo que fomos e o que queremos ser em nosso pretenso imaginário futuro. Velhas polaroids largadas ao tempo, imagens fotográficas em 10 × 15 cm, profanadas e desbotadas pela luz solar, pelo esquecimento, pela poeira do que fomos. Poeiras-cristais iluminadas pela luz do sol. Poeiras em forma de rastros de nossos corpos, sonhos, esperanças, desejos, poeiras em forma de eiras trilhadas de tempo e de memória. Eiras de nossas vidas que, diferente de uma pintura, um livro ou uma peça teatral, podemos colocá-las debaixo de nossos travesseiros e sonhar. Sonhar um tempo passado, um tempo presente. Um futuro! Nossas vidas e escolhas não passam de pequenas quinquilharias fotográficas.
Humberto Lemos
📣 novidades importantes no f/508:
✨ Estamos com masterclasses especiais para o fim deste ano, com temas e professores selecionados à dedo. Os ingressos custam só R$30 (OMG, sim!). Os primeiros temas lançados são:
✨Arte cabulosa para mentes escabrosas (com o Tio Virso)
✨Entre escolhas e renúncias: como fazer a curadoria do próprio trabalho artístico (com a Fabíola Notari). Quem avisa, amigo é: garante logo o seu ingresso pra não ficar sem vaga!
✨ TERÇA (15/11), em pleno feriado, começaremos um curso inédito e secreto: fotografia do banal, com o Humberto. Você não vai encontrar o cronograma no nosso site porque ele foi desenvolvido exclusivamente para os participantes do Passaporte Cultural. Mas se também quiser fazer parte desse seleto grupo, me responde nesse email que eu te conto todas as informações de formato e preço.
⏳ Se você é um dos vários que estão cheios de vontade de entrar para o passaporte cultural, faremos uma promoção de preços especialíssimos exclusiva para os que estiverem na lista de espera. Será durante a semana da blackfriday, então se cadastra e fica ligado na caixa de entrada!
✨ Atenção: acabamos de lançar uma pós graduação em Poéticas da Escrita, com projeto pedagógico desenvolvido pela maravilhosa Fabíola Notari. Nesse curso único em todo Brasil, vocês vão encontrar temas como Caligrafia e tipografia, autoficção e escrita de si, estudo da literatura brasileira contemporânea, relações entre palavras e imagens, sinestesia na literatura, narrativas viajantes e diários de bordo… só pra citar alguns. Será um verdadeiro mergulho!
✨ rapidinhas para ver, ler e ouvir
👁️Julia Schimautz abraça o imperfeito com suas atraentes animações em risografia (it’s nice that)
🎧Uma história audiovisual incrível explorando os sons das ruas da Cidade do México (em inglês)
📚Leia Conselhos de Kurt Vonnegut para o escritor impaciente. (em inglês)
📚Já conferiu a lista final do prêmio Jabuti? Tá cheia de mulheres incríveis (Estadão)
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Raquel Pellicano
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