Uma vez, há uns 2 anos, eu buscava dar uma movimentada no meu instagram e abrir caixinhas de pergunta era a febre do momento. Ao mesmo tempo, eu encarava minha dificuldade de lidar com a minha própria imagem em movimento, tentando me soltar mais diante da câmera.
Nunca esqueci uma pergunta e a resposta mentirosa que eu dei:
— Você já teve síndrome da impostora?
Eu respondi, cheia da pompa, que ‘não’. Que ‘uma das vantagens de passar dos 30 é ter consciência do que se faz bem’. Mentira! Mentira pura!
No curso que começamos esta semana (Cadernos de observação: processos criativos), com o
, senti, mais uma vez, a intersecção do fazer artístico com a terapia. O espaço de discussão voltado para a produção visual sempre tem muito quê de análise — vários choram, escancaram seus corações. Falar sobre autoralidades envolve intimidade, muita verdade, é despir a alma.O Gabriel trouxe algumas perguntas para que os colegas de turma se apresentassem. Dentre elas, tinham reflexões básicas sobre o que esperamos do curso e a nossa relação com os cadernos. Falar sobre isso colocou um holofote na síndrome da impostora (eu mesma não tinha noção do tamanho do problema). Entretanto, pontuei que:
Fui (sou) uma grande acumuladora de cadernos lindíssimos vazios. Não tenho coragem de usá-los porque conteúdo nenhum parece merecer sua suntuosidade. E esse problema não é só meu, aparentemente (muitos trouxeram também)
Julgo muito a Raquel do passado, ao ler cadernos antigos. Essa viagem no tempo me faz ser cruel com minha versão mais ingênua, e não é exatamente fácil. Sempre me questiono se o sentimento permanecerá o mesmo: será que a minha versão de 45 achará tão ruim também a versão de 35?
Nunca começo um caderno pela primeira página. Elas ficam vazias porque acho de uma responsabilidade muito grande ‘abrir’ aquela produção. Tem que ser bom, potente, intenso. É a velha inimiga, impostora, falando em alto e bom tom, de novo.
Faço a mesma coisa com outro processo criativo que me é muito caro: o da colagem. Tenho um prazer gigantesco com as colagens. Mas recorto e crio composições visuais, fotografo, e desmancho. Quase nunca colo de verdade. Me parece muito definitivo, muito grande, muito tudo. A insegurança ali, de novo, soprando que ainda não é bom o suficiente.
Neste post aqui embaixo, uma escritora que eu admiro muito,
, escancara suas inseguranças no processo de escrita. A impostora que habita em mim, cumprimenta a impostora que habita em você:Algumas falas, marcam. Em um ep. do podcast Para dar Nome às Coisas, a Natália comenta sobre ‘guardar as coisas especiais para serem usadas em momentos especiais’. Sobre uma louça bonita, cara, que a mãe dela guardava só para os jantares mais importantes.
Eu mesma acumulei papéis de carta, coleções de adesivos, maquiagens… Acho que tenho essa alma de uma colecionadora de quinquilharias ‘para serem úteis no momento especial que eu ainda não descobri qual é’.
Acontece que o tempo passa, a gente nem percebe, e as coisas para momentos especiais ficam velhas. Já não fazem sentido, mudamos nosso gosto pessoal, e são passadas adiante junto com a tralha… os instantes especiais aconteceram, bem debaixo dos nossos narizes, e não soubemos identificá-los na sua iminência.
Depois de escutar este episódio, comecei a refletir sobre os itens especiais acumulados. E me comprometi em usar minha melhor louça e meus melhores copos (mesmo que isso signifique uma vida útil muito curta), já que esses pequenos detalhes especiais tornam os momentos corriqueiros mais lindos, mais aprazíveis. Porquê não?
Não acho que em qualquer momento da vida a impostora encerrará suas aparições. Mas vale questioná-la, conversar com ela. Identificar toda essa situação de insegurança foi bom. Nada é tão importante assim, e ter essa consciência ajuda, também, no processo de desapego relacionado a tudo isso. Em alguns momentos, produziremos coisas boas — em outros não.
Faz bem levar a vida um pouco menos à sério. Busco fazer o que me faz feliz, independente de ser bom ou não: quero colar a colagem, usar os cadernos, gastar a louça. Até porque, nada é unânime: no que tange à produção criativa, possivelmente vamos tocar o coração de alguns — ser extremamente cafona para outros.
E tudo bem!
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Raquel Pellicano
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