💡Voltando à programação normal com envios aos domingos, hoje trago uma deliciosa reflexão escrita pelo nosso querido amigo Rodrigo F. Pereira para o f/508. Ela vai muito de encontro com um dos meus primeiros textos aqui no Substack, sobre o maior erro (comum) que um fotógrafo pode cometer e acho que pode abalar algumas estruturas.
A fotografia é praticada, de alguma forma, pela maior parte das pessoas. A grande maioria dos que fotografam são pessoas que querem registrar momentos da sua vida descompromissadamente. Um outro grupo é o de profissionais que ganham a vida direta ou indiretamente através da arte fotográfica. Entre esses dois mundos existe o de fotógrafos amadores que levam a fotografia a sério e que buscam, através dela, algum tipo de expressão, de manifestação artística ou de significado ou um hobby mais elaborado.
A fotografia profissional tem suas próprias regras. Há as demandas do mercado, a concorrência, a constante inovação tecnológica e a necessidade constante de atualização, para oferecer trabalhos de alto nível. No entanto, nada disso é aplicável à fotografia amadora. O fotógrafo amador não tem um cliente que direciona o trabalho; não tem concorrência; pode usar a tecnologia que bem entender. Isso significa, de forma geral, que o amador tem muito mais possibilidades criativas do que o fotógrafo profissional. Ele pode fazer a fotografia que bem entender, na hora que quiser, da forma que quiser.
Curiosamente, no entanto, muitos amadores optam por emprestar da fotografia profissional algumas regras. Um pouco disso talvez seja por uma própria armadilha do mercado: “fotografe como um profissional”, “tenha uma câmera profissional” são frases utilizadas para vender produtos. Mas é possível também que o amador, frente a tanta liberdade e com falta de modelos, acabe se direcionando a esse tipo de fotografia por ser o único referencial de qualidade que ele conhece.
Uma das expressões mais fortes desse movimento é o fetiche da qualidade técnica. Enquanto para o profissional este é um elemento chave, já que se refere à qualidade do seu trabalho em si, e geralmente significa transformar com precisão a idéia do cliente num produto fotográfico, para o amador ele faz pouco sentido. A perfeição técnica que os profissionais seguem geralmente se refere a imagens limpas, nítidas, com cores equilibradas, contraste e tons harmoniosos, composições bem estruturadas, mensagens simples e objetivas. Não há muito espaço para a falta de clareza ou para uma margem de interpretação do observador. A foto precisa dizer algo, alto e claro.
Entretanto, essa é apenas uma maneira de fazer fotografia, e na fotografia profissional ela faz sentido pois é o que o mercado exige. Mas o que, na fotografia amadora, preconiza que as coisas precisam ser dessa maneira? A preocupação excessiva com a perfeição técnica, na fotografia amadora, esbarra em três grandes riscos.
Primeiro, parece que preocupar-se demais com os aspectos técnicos da imagem são dificilmente compatibilizados com outros aspectos importantes da fotografia, e provavelmente mais determinantes, como a escolha do assunto, o entendimento da luz, a relação com aquilo que se fotografa. Muitas pessoas se preocupam em fazer apenas uma imagem perfeita tecnicamente e deixam de lado a procura por um assunto interessante. O resultado é uma boa “embalagem” para um conteúdo inexistente. Olhar em volta de si e procurar enxergar o belo e o interessante nas pessoas em volta, na cidade em que se vive, nos lugares que se visita geralmente é um exercício mais produtivo do que se preocupar como conseguir mais nitidez nas fotos.
Em segundo lugar, não é difícil perceber que o mercado de equipamentos fotográficos se aproveita — e muito — dessa obsessão pela imagem perfeita. Portanto, teremos sempre câmeras com mais megapixels, com sistemas que geram cores melhores, lentes mais rápidas, focos mais precisos e coisas do tipo. Tudo para que você consiga um resultado “profissional”.
Metade do que é alardeado pelos fabricantes não passa de nomes sofisticados para funções que já existiam nas câmeras. E a outra metade de fato são inovações, mas que não farão diferença nenhuma na qualidade da sua fotografia.
Veja o caso dos megapixels, por exemplo: mais megapixels significa imagens com maior resolução, portanto possibilidade de impressão maior. Agora, se você apenas visualiza a imagem na tela ou manda para os amigos na internet, você não precisa de mais de dois megapixels. Se você costuma revelar suas fotos digitais no velho formato 10×15, três megapixels são suficientes. Se você, ocasionalmente gosta de imprimir fotos em tamanhos maiores, como 20×30 ou 30×40, seis megapixels devem bastar. Ou seja, apenas em pouquíssimos casos se precisa de mais do que isso. Ainda assim, os fabricantes aumentam a quantidade de megapixels nas câmeras, sempre se baseando na promessa da foto perfeita.
Por último, é preciso lembrar que a fotografia é uma ilusão. É uma imagem feita a partir de um aparelho que transforma os raios de luz refletidos num mundo tridimensional numa figura bidimensional.
Estamos tão acostumados a sua presença que a tomamos de imediato como cópia do real, sem perceber a forma como a câmera fotográfica não reproduz, mas interpreta a luminosidade dos sujeitos. E, dentro dessa perspectiva, a perfeição técnica refere-se a produzir uma ilusão mais convincente.
Uma foto publicitária, por exemplo, precisa mostrar um determinado produto em um certo contexto, ambos idealizados, mas ainda assim com uma aparência extremamente realista. Mas, mais uma vez, vemos que nada disso é importante na fotografia amadora. O amador se beneficia mais ao entender a fotografia como uma arte com suas limitações e idiossincrasias, mas que ainda assim deixa uma gama infinita de possibilidades, do que ao tentar reproduzir um padrão que não é necessário naquilo que faz.
É importante ressaltar que a perfeição técnica não é condenável por si só. Na verdade, como qualquer outro aspecto técnico, ela pode ou não fazer sentido dependendo da proposta que está por trás dela. A fotografia profissional geralmente tem motivos para buscar esse tipo de excelência. No entanto, a fotografia amadora geralmente não tem um norte claro, e os grupos de amadores acabam por tomar emprestada a racionalidade da fotografia profissional sem entender que não é preciso obedecer certas diretrizes, o que acaba por minar as suas possibilidades criativas.
Tendo tudo isso em mente, a perfeição técnica não é incompatível com uma fotografia amadora expressiva e de qualidade. Para isso, no entanto, é preciso que se dê o devido valor aos outros aspectos da arte fotográfica, que não se caia num frenesi consumista e que se entenda a arte fotográfica como um campo com suas possibilidades e limitações, deixando de lado a cópia dos valores da fotografia profissional.
Rodrigo F. Pereira
💭 Um exercício e uma provocação
Com o intuito de provocar a desconstrução da imagem técnica, o professor do f/508, Humberto Lemos, propõe um exercício aos alunos do curso intermediário: fotografar com base em 7 pecados fotográficos técnicos. São eles:
fotografias não podem ser subexpostas
fotografias não podem ser superexpostas
fotografias não podem ter pouca nitidez e definição
fotografias não podem desrespeitar a regra dos terços na composição
fotografias não podem ter cores diferentes da realidade
fotografias não podem ser distorcidas
fotografias não podem ter baixo contraste
Quais você escolheria para se desafiar? Confesso que um os meus favoritos é o de baixo contraste. Trago essa sensação muitas vezes na minha própria fotografia com uso de artifícios como a fumaça.
📣 novidades importantes no f/508:
✨ É com muito, muito prazer, que anunciamos uma novidade super importante por aqui: o lançamento da nova pós graduação em Poéticas da Escrita, com projeto desenvolvido pela queridíssima Fabíola Notari. O corpo docente tem nomes de peso, com escritores e artistas de muita sensibilidade. O início da primeira turma está marcado para agosto de 2023.
👀 Você já pensou em desenvolver um podcast? O curso Produção Independente de Podcasts começará essa semana, no dia 11/10, e promete te trazer todo o conhecimento ferramental necessário para essa linguagem tão contemporânea. O professor é o Daniel Prado, criador do podcast A Vida Fora da Caverna.
⏳ Avisei mil vezes que as inscrições para esse ciclo do Passaporte Cultural estavam se encerrando. Se você é um dos vários que ficaram na vontade, aproveita e se cadastra na lista de espera para saber em primeira mão quando o próximo ciclo abrir.
✨Rapidinhas para ver, ler e ouvir
✨Adoro esse experimento sobre sinestesia. Bem divertido!
✨Há algum tempo tenho ouvido a playlist músicas para escutar no disco voador. Uma ótima companhia para tratar fotografias.
✨A @diariodeunicornio é uma artista super sensível, que mistura palavras, objetos, bordados e fotografia. Amo a delicadeza do que ela produz, é sempre uma inspiração.
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Raquel Pellicano
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