Panquecas feias, o choro incontrolável e a fotografia.
A gente nunca pensa muito em relação ao quanto o nosso humor afeta as pessoas e coisas à nossa volta. O mau humor, por sua vez, tem essa característica autocentrada, onde tudo que importa naquele momento parece ser o mundo a despencar sobre as nossas cabeças, picuinhas e qualquer outro(s) motivo(s) que originou a crise de azedume. O mal-humorado consegue, com um olhar, uma palavra, um grunhido, estragar o dia de muita gente, e naturalmente a única coisa relevante para ele, naquele momento, é a péssima experiência que está vivenciando. É egoísta!
Ontem, pela manhã, decidi fazer panquecas americanas — quase sempre minhas panquecas ficam muito boas, e é um ótimo motivo para começar o dia. Mas lembrei que havia comprado um processador, com o intuito de substituir o antigo, recém avariado, e que poderia bater claras em neve para uma receita mais elaborada, fofinha.
Há muito o desgosto não me pegava com tanta força, desprevenida: é possível imaginar o tamanho da minha surpresa ao perceber que, ao jogar fora o processador quebrado, joguei também justamente a peça necessária para bater as claras, do recém-adquirido. Independentemente da razão para cometer um erro tão infantil (totalmente compreensíveis: uma pitada de burn out, outra pitada de desatenção, e um bocadinho de ansiedade com o corre-corre para não deixar os pratinhos caírem do ar), fui meu maior algoz: eu não esperava por este golpe irritante.
A irritação escalou de tal forma, que fiz as panquecas sem nenhuma paciência ou atenção: elas ficaram horrorosas, terríveis.
Em uma experiência voltada para fotografia: na última temporada de Brasília percebi com muita clareza o quanto o ato de fotografar alguém pode criar uma conexão maior do que prevíamos.
O meu processo é lento, fotografo com calma. Já aviso logo às minhas clientes: separe a manhã (ou a tarde), para que possamos nos preocupar unicamente com as fotos.
Existe todo um caminho importante que deve ser percorrido para a desconstrução da dureza de uma pessoa como eu e você, que não está acostumada a ser fotografada. E essa é uma das razões para que eu faça no máximo 2 ensaios em um só dia.
É lindo ver as pessoas se transformando a cada trabalho: naturalmente, quase todo mundo chega para fotografar com um poço de inseguranças e, a medida que o dia avança, se entregam para a experiência que, afinal, não precisa ser tão traumática assim (a depender, e muito, do fotógrafo).
Mas um ensaio em específico me chamou a atenção. Uma amiga de infância (da qual prefiro preservar o nome), fotografa comigo há 3 anos, sempre em um cenário diferente. E desta vez chegou com uma expressão meio triste, meio mal. Passou pelo ritual completo da fotografia e finalizou o ensaio transformada: outro sentimento, muito mais leveza.
Ao passo que ela saiu pela porta da casa onde eu fotografava, desabei: chorei litros de um rio que não desaguava há muito, muito tempo. Não faço nem ideia de há quantos meses não chorava uma gota sequer. E era mesmo incontrolável: não havia explicação, nem existia fala que qualquer um me trouxesse suficiente para fazer a água parar de rolar. Um burnoutzinho, depois de muitos dias de trabalho? Pode ser.
A verdade é que pouco depois que o rio secou, recebi uma mensagem da minha amiga. A mensagem agradecia o acolhimento e a experiência, e dizia que ela esteve a chorar litros antes do ensaio, porque não estava bem.
Não sei como isso se deu, mas acredito piamente que absorvi o sentimento de quem eu fotografava. E é provável que isso aconteça a cada trabalho em maior ou menor grau, mas explica também minha exaustão após fotografar alguém. Existe a crença de que a fotografia rouba a alma — talvez seja um pequeno exagero — mas é provável que roube (ou transmute, quem sabe) algumas energias.
Confesso, acho que não temos a menor ideia de como funcionam as trocas e conexões energéticas com as pessoas que cruzam o nosso caminho. Não é preciso ir tão longe: não temos nenhuma noção do impacto que causamos direta ou indiretamente com o nosso humor. Na dúvida, prefiro sorrir às pessoas na rua.
De volta às panquecas, guardei um pouco de massa para o dia seguinte. Já superado o desgosto, ao fritá-las, ficaram lindas e perfeitas (além de muito, muito gostosas):
Essa receita é bem fácil - basta misturar os ingredientes secos primeiro, depois acrescentar os líquidos e mexer um pouco.
Para fritar, uso uma frigideira antiaderente bem quente, em fogo médio, e pingo, com uma concha, só um pouquinho de dentro para fora, para que fiquem pequenas e fofinhas. Faço 3 por vez, e a receita é o suficiente para panquecas pra duas pessoas:
3/4 de xíc de farinha de trigo
1/3 de xíc de açúcar amarelo ou açúcar mascavo
1/4 de xíc de amido de milho
1 pitada de sal 1 col de chá de fermento
1 ovo
2 colheres de chá de azeite
1/4 de xíc. de creme de leite de coco
1/3 de xíc. de leite de amêndoas
1 col de chá de água para deixar a massa levemente mais líquida
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Raquel Pellicano
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